22/11/2017

Livro: A Legião Estrangeira

Título: A Legião Estrangeira
Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Número de Páginas: 110
Ano: 1999
Minha Avaliação: ♥ ♥ ♥ ♥
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"As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado, será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito."

Você, caro leitor, já deve ter ouvido falar de Clarice Lispector. Seja em memes, seja em legendas de fotografias no instagram que não têm nada a ver com a frase dita pela escritora, seja lendo uma de suas obras, Clarice Lispector é um nome que praticamente todo brasileiro conhece. Mas muita gente não sabe de sua devida importância para a literatura nacional. Ela foi uma escritora, jornalista, romancista, cronista, contista e colunista (ufa!) nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX. Sua obra é caracterizada como modernista, e na maioria das vezes, são tramas que refletem o cotidiano simples e o psicológico de seus personagens, recheados de epifanias (quando alguém, de súbito, percebe e compreende a essência de alguma coisa).

O primeiro livro de Clarice que li na vida (e único, até chegar neste sobre o qual resenharei hoje) foi A Hora da Estrela, e foi uma leitura simples, porém um tanto complicada, pequena, e ao mesmo tempo impactante, que é um belo retrato da típica escrita da autora - inclusive, sugiro começar por ele, caso você nunca tenha lido algo da mesma, em vez de ir primeiro em A Legião Estrangeira.


Sinopse: Os treze contos reunidos neste livro abordam o cotidiano familiar, a perversidade infantil e a solidão. As histórias colocam os leitores diante de situações cujo maior encanto é o de flagrar a intimidade dos personagens no momento em que eles descobrem o quanto há de extraordinário no dia-a-dia. É o que se pode observar, por exemplo, no encontro da menina e do cachorro em "Tentação"; ou no diálogo entre um casal de jovens em busca de si mesmos em "A Mensagem”. Outras histórias mostram como o próprio conto é construído, uma das obsessões da literatura clariceana.

Em A Legião Estrangeira, publicado em 1946, nos deparamos com 13 contos/crônicas que, muitas vezes, são difíceis de se compreender sua mensagem numa primeira leitura. Um dos contos, o último, é o que dá título ao livro. Todos eles abordam temas psicológicos relativos ao cotidiano familiar, a solidão, a relação homem-animais, ao egoísmo, enfim, situações que nos levam ao íntimo dos personagens. Não sei se é uma percepção e interpretação minha apenas, mas no final da leitura eu meio que atribuí o título do livro a todos os contos, como se em todos eles houvesse personagens "estrangeiros", ou seja, estranhos às situações/lugares em que se encontravam, personagens diferentes do comum. E aí por isso a escolha do título do último conto para título da obra inteira. Posso estar viajando, mas foi o que entendi. Vou falar um pouco sobre alguns dos contos (adianto que acho que contei uns spoilers), que considerei mais importantes, cujos títulos dos 13 são:
  • Os Desastres de Sofia
  • A Repartição dos Pães
  • A Mensagem
  • Macacos
  • O Ovo e a Galinha
  • Tentação
  • Viagem a Petrópolis
  • A Solução
  • Evolução de uma Miopia
  • A Quinta História
  • Uma Amizade Sincera
  • Os Obedientes
  • A Legião Estrangeira


O primeiro deles, Os Desastres de Sofia, fala sobre uma menina e seu professor, a quem ela nos relata amar platonicamente, com um fascínio, mas que ao mesmo tempo ela o trata mal, algo como um "disfarce", para que ele não perceba o que ela sente de verdade, sendo constantemente repreendida pelo professor. Após uma redação sobre o verdadeiro tesouro do homem, o professor finalmente a elogia, e a aluna têm então um choque e fica sem reação. Então, ela percebe que causara uma mudança no professor só em ter escrito um texto com uma opinião completamente diferente de todo mundo, um texto que não foi "mais do mesmo" - uma epifania. Tenho pra mim que este conto retrata uma autobiografia (não necessariamente que Clarice tenha sido apaixonada pelo professor), pois Sofia nota o poder de seus textos e como ela poderia mudar a vida das pessoas com sua escrita, mesmo aqueles que ela considerasse ilusões. Eu gostei bastante desse conto.

"Ele matava em mim pela primeira vez a minha fé nos adultos: também ele, um homem, acreditava como eu nas grandes mentiras."

A Repartição dos Pães é também interessante, pois me lembrou A Santa Ceia, de Jesus Cristo. Acredito que o principal foco da história foi justamente falar sobre generosidade, de "repartir o pão" com o próximo, "amar ao próximo como a ti mesmo". O conto retrata um banquete servido por uma dona de casa a um grupo de diferentes pessoas. O narrador queria estar em qualquer lugar, menos ali, até se deparar com a mesa do "almoço de sábado": comida boa e em abundância. Surpreende-se então quando percebe que aquele banquete era para ele e para todos os outros convidados, e que a anfitriã havia preparado tudo aquilo para todos eles, sem distinção de classe, cor, credo, sexo.

"Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos. (...) Pão é amor entre estranhos."

Sobre A Mensagem, não sei bem o que dizer. Foi um dos contos deste livro que não saquei justamente "a mensagem" que ela quis passar. Sei que se trata de uma história sobre a amizade entre um homem e uma mulher, ambos jovens, e sobre suas angústias e sofrimentos. Quando os dois notam que sentem as mesmas coisas, que são semelhantes, passam a se relacionar. Ainda assim, não foi um dos meus preferidos. 

"Assim continuaram a se procurar, vagamente orgulhosos de serem diferentes dos outros, tão diferentes a ponto de nem se amarem. Aqueles outros que nada faziam senão viver."

Macacos é bem curto, mas é bonitinho. Mostra bem a relação entre os homens e os animais. Também achei que Clarice quis nos fazer perceber que animais silvestres devem permanece silvestres. A macaquinha não sobreviveu em meio urbano (olha o spoiler!) por que lhe falou oxigênio, segundo o veterinário. Curioso, não? O conto também fala sobre o amor.

Vamos ao O Ovo e A Galinha (quem veio primeiro?). Eu não faço a menor ideia do que dizer sobre esse conto. Se alguém o entendeu por favor, me explique. Eu preciso fazer a prova do vestibular da UESB (foi por isso que li esse livro), e não entendi patavina deste conto, me ajudem a não errar uma questão! rs A sensação que tive ao ler este conto foi que se tratava de um monte de palavras conectadas aleatoriamente. Poucas frases me fizeram sentido.

"Quanto a quem veio antes, foi o ovo que achou a galinha. A galinha não foi sequer chamada. A galinha é diretamente uma escolhida. A galinha vive como em sonho. Não tem senso da realidade."

Em Tentação, mais uma vez retomo a interpretação que tive do livro como um todo, de uma legião de pessoas estrangeiras em todos eles. Aqui uma menina ruiva, que vive numa cidade de pessoas morenas, um belo dia dá de cara com um cachorro de pelo ruivo. Então ela sente que não era mais a única, que não estava mais sozinha. E o cachorro, do qual também ficamos conhecendo seus sentimentos, percebe a mesma coisa. 

"Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. (...) Mas ambos eram comprometidos. Ela com sua infância impossível (...). Ele, com sua natureza aprisionada."

Viagem à Petrópolis foi outro conto de que gostei muito; e também achei bem triste. Fala sobre uma senhorinha que, por onde passava, mal era notada. Vivia de esmolas, que sempre eram poucas, porque as pessoas achavam que ela não precisava de muito. Um dia, vai morar no quartinho dos fundos na casa de uma certa família. Depois de certo tempo, os moradores acham que é hora de se livrarem da velha, que nem lembram mais porque ela estava ali. Resolvem mandá-la para a casa de um parente em Petrópolis, onde ela é mal recebida e posta pra fora. Desde a véspera da viagem, a velhinha se sentia estranha, como se notasse que a ajuda que recebia das pessoas era feita mais como uma obrigação do que boa vontade. E isso vai se intensificando com o decorrer da viagem, tanto que depois de ser mandada embora de volta para a casa de onde tinha vindo, ela resolve contrariar e fazer o que mais gostava: passear. 

A Solução conta sobre duas amigas bem diferentes. Almira era gorda e queria acreditar que Alice, magra, era sua melhor amiga. Já Alice tolerava Almira e na verdade mal lhe dedicava amizade. Um dia, ao almoçarem, Almira insiste em querer saber porque a "amiga" estava angustiada, e então Alice, chateada com a insistência da outra, a chama de gorda e pede que a deixe em paz. Almira, perplexa, enfia um garfo na garganta da amiga, que vai parar na UTI. Enquanto isso, Almira, já na cadeia, descobre que lá ela se sente muito mais feliz do que jamais fora em outro lugar.

A Quinta História é um conto divertidíssimo, que gostei muito também. Clarice explora as diversas formas que um escritor pode narrar uma história, ao reescrever cinco vezes o caso de uma mulher que resolveu matar as baratas que apareciam em sua casa (gostei principalmente da receita para matar as ditas cujas rsrs).

"A quinta história chama-se 'Leibnitz e a Transcedência do Amor na Polinésia'. Começa assim: queixei-me de baratas."

Por último, mas não menos importante, A Legião Estrangeira. A personagem-narradora da história, começa o conto relembrando-se de Ofélia, uma menina de família estrangeira e soberba que foi sua vizinha durante certo tempo, os quais ela não via há anos. Ela se lembra das pessoas ao ver um pintinho em sua casa nas vésperas do natal. A garota era muito madura para sua idade e sempre ia visitá-la, querendo ditar como a narradora devia fazer as coisas (guardar as compras, cuidar da casa, etc). Chata e ao mesmo tempo certeira, pois sempre acertava no que dizia. Até que um dia, a garota percebe-se criança ao ver um pintinho que a narradora havia trazido para casa e começa a brincar com o animalzinho na cozinha. Depois de um tempo, a menina reaparece na sala dizendo que ia para casa. A narradora tem um pressentimento e vai até a cozinha, onde encontra o pintinho morto. Depois disso, nunca mais a menina voltara em sua casa. Mais um conto que nos traz o mistério da intimidade humana, e suas sensações e reações em relação a objetos, pessoas, sentimentos e animais.

"Eu só podia servir-lhe a ela de silêncio. E, deslumbrada de desentendimento, ouvia bater dentro de mim um coração que não era o meu. Diante de meus olhos fascinados, ali diante de mim, como um ectoplasma, ela estava se transformando em criança."

Esses foram os contos de que mais me recordo para poder falar alguma coisa. E também foram os que mais me chamaram atenção. A resenha ficou grande, mas, mesmo sendo um livro pequeno, falar sobre 13 contos (ainda mais escritos por Clarice Lispector) não é tarefa pouca. É um livro denso e complicado, mas que deve ser lido. Confesso que só me interessei para ler por causa da prova do vestibular da UESB, mas não foi uma leitura perdida. Alguns deles foram republicados com modificações em outra coletânea da escritora, de 1971, chamada "Felicidade Clandestina". Pretendo ler os outros três livros indicados pela universidade e resenhá-los aqui, então quem quiser saber um pouco sobre as obras, só ficar de olho no blog. Boa leitura!


2 comentários:

  1. Gosto de contos. Mas lendo a sua resenha,percebi que esses são bem difíceis de se compreender.
    Confesso que não me recordo de ter lido algo da autora... Talvez quando eu estudava?
    Não me lembro!

    Bem eu fiquei curiosa em ler principalmente o conto "O Ovo e a Galinha".
    Talvez para tentar entender. ;)

    Bjs.

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  2. Nunca li nada da Clarice Lispector, esse livro de contos é uma boa pedida para conhecer a escrita da autora. Ela proporciona histórias do cotidiano só que com um certo drama, o que as torna ainda mais interessante.

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